quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A Filosofia de Spinoza e a Psicoterapia corporal Junguiana


O ser humano muitas vezes busca encontrar sua liberdade em um mundo transcendente fora da natureza, desta forma acaba negando a realidade corporal. Para Spinoza, Filósofo holandês do séc. XVIII, seria impossível o homem não fazer parte da natureza. Ele acreditava que a inexorável máquina da natureza é tudo que existiria e nós seriamos escravos desta natureza. Com esta afirmação poderíamos achar que sua ênfase estaria na condição físico e atualmente químico do ser humano. Não me parece que ele tenha dado ênfase ao físico, pois Spinosa correlacionou corpo e alma em uma relação de identidade, o corpo seria um modo finito de substância infinita. Dois em um, corpo e alma. Este mundo transcendente em que muitos atribuem estar a liberdade seria algo idealizado, um “a priori” fora da própria experiência corporal. Para Spinosa, o mundo visto pelo prisma da transcendência nega a própria essência humana, tornando o homem impotente. Spinosa acreditava que a emoção seria uma condição corporal e ao mesmo tempo uma ideia desta condição. Cada idéia na mente corresponderia a uma modificação corporal, portanto a adequação das ideias, para Spinosa, seria um estado humano de potência. O filosofo compreendia que para alcançar a liberdade seria necessário aperfeiçoar as emoções, caso contrário estas instâncias poderiam dominar o sujeito. Nosso esforço, o esforço de cada pessoa, seria conseguir conectar o corpo com a alma, o corpo com as emoções, o corpo com as idéias, como uma afirmação da condição humana potente. Uma vida emocional saudável e alegre só seria possível, para Espinosa, se houvesse uma estreita cumplicidade entre mente e corpo.


Podemos perceber com Spinosa a importância de conectar corpo e alma, psique e corpo, vê-los como mesma essência. Fazer um esforço de conquistar esta cumplicidade, da qual Spinosa escreve, é onde damos ênfase no processo psicoterápico. O corpo e outras instâncias psíquicas, como os sonhos e a imaginação se unem dinâmicamente no nosso trabalho psicoterápico. Utilizando o pensamento de Spinosa como alicerce filosófico e o pensamento junguiano como base da psicoterapia, nossas metas são produzir no paciente uma expansão de sua consciência. Olhando pelo prisma de Spinoza e C. G. Jung, cada pessoa é um todo indivisível, seu corpo está invariavelmente unido às suas emoções e ao seu psiquismo. Para C. G. Jung o homem existe dentro da psique, e não ao contrário. Tudo é natureza para Espinosa e tudo é psique para Jung, a psique-natureza também seriam a cultura, a política, a economia, os ciclos da natureza, a biologia, etc. Tudo pode ser visto como psique e manifestação psíquica. Somos atravessados pela psique coletiva e também produtores dela com nossas experiências pessoais. No processo terapêutico o corpo físico de cada pessoa é parte do processo de "vir a ser um todo" mais consciênte. Metafóricamente seria como se houvessem sementes prontas para serem germinadas, porém que necessitam que haja um esforço próprio e condições adequadas à este processo; e cada um de nós deveria se esforçar para produzir este processo. Segundo Carl Gustav Jung "Só aquilo que somos realmente tem o poder de curar-nos", portanto, nossas emoções independente de como qualificamos cada uma delas, participaria desta “cura”.


Há diferentes formas de expressão desta mesma unidade sincrônica, que chamamos de corpo e psique. Por estas ideias expostas entenderemos a necessidade de incluir o corpo no contexto do atendimento psicoterápico. A Arteterapia é coadjuvante neste processo de exercício e conscientização da unidade corpo-psique, ela possui técnicas de mobilização do corpo físico juntamente com o corpo emocional, imaginativo e ficcional. Este tipo de abordagem corporal, não tem a intenção de mobilizar um determinado aspecto específicos, mas de promover uma vivência que ative espontaneamente o que for mais adequado para estimular e “equilibrar” criativamente o paciente naquele momento. Propiciando ao sujeito que processos imaginativos se desenvolvam a partir das vivências corporais e mobilizando sua capacidade de auto-regulação da psique, também conhecida como a "sabedoria corporal".



Anita Rink

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Ética-Estética-Política

Apresentações na III Mostra de Práticas em Psicologia do CRP-RJ



Nossa clínica Transdisciplinar tem uma estrutura que orienta o processo terapeutico: "Ética-Estética-Políticamente". A arte, a política e a estética transitam pelo coletivo-social e também no individuo. "Ética-Estética-Política" estão presentes no encontro entre o analista e o analisado....




Arteterapia e o equilíbrio psíquico: percurso histórico


No mundo ocidental vivemos numa civilização industrial que, segundo o médico e Analista Jungiano Walter Boechat, desenvolveu mecanismos que aprisionaram as mãos humanas. A supervalorização da racionalidade diminui a importância de instâncias sensoriais e emocionais de nós mesmos, dificultando a não-racionalidade, a inventividade e a imaginação humana. De certa forma, as mãos perderam sua liberdade de criação.



No Ocidente a Terapia Ocupacional foi introduzida nos manicômios para evitar a ociosidade das pessoas. Não havia a intenção de desenvolver criatividade ou mesmo terapia. Nise da Silveira, médica e psiquiatra, foi a primeira brasileira a valorizar “científicamente” a Terapia Ocupacional e desenvolveu atividades onde as mãos poderiam criar. Nise utilizou a Terapia Ocupacional com seus pacientes, e a partir destas experiências verificou como as mãos têm um “poder” de ativar e produzir formas que tendem a equilibrar a fragmentação da psique humana. Por seu interesse cada vez maior no resultado de suas pesquisas e indagações, Nise aproximou-se do médico suíço Carl G. Jung, responsável por desenvolver a Psicologia Analítica. Para Jung as imagens criadas por artistas e pacientes em seus trabalhos e obras são formas de “traduzir o indizível em formas visíveis”, podendo ir além do racionalismo e chegar a instâncias desconhecidas de nós mesmos. A partir daquele momento, o trabalho com as mãos começou a ter mais importância num certo tipo de terapia, principalmente com pacientes esquizofrênicos. Alguns anos depois foi desenvolvida um linha terapêutica com bases Junguianas que usa a criatividade e o trabalho com as mãos, a Arteterapia.


No trabalho de Arteterapia cada material utilizado tem características próprias de maleabilidade, resistência, aspereza, fluidez, etc.; estas características diferenciam um material do outro. A utilização de determinado material possibilita que se inicie um diálogo e uma relação singular entre a pessoa e este. Cada indivíduo, nesta relação pode perceber como é afetado nesta experiência em seu corpo e suas emoções. Na técnica da aquarela, por exemplo, podemos perceber que os indivíduos, ao executarem os movimentos de pintura sobre a superfície do papel, soltam o controle rígido da musculatura e há mais facilidade de conexão da pessoa com seus sentimentos e com a transformação destes. A fluidez deste material colorido ajuda a produzir efeitos positivos na psique e na imaginação das pessoas. Muitas vezes os inúmeros outros diálogos que podem surgir desta experiência tem características lúdicas, livres e espontâneas. A caixa de areia, por exemplo, a sensorialidade da pessoa fica bem estimulada pela areia. Nesta pequena caixa de areia de praia, muitas vezes as pessoas brincam com o material criam castelinhos, morros e vales na medida em que montam cenários com as miniaturas presentes no setting terapêutico. Isto facilita que o indivíduo em terapia possa entrar em contato e expressar suas dores psíquicas num contexto sem pesos. Com o desenvolvimento do processo terapêutico é possível que o indivíduo encontre maneiras mais criativas e mais saudáveis de lidar com sua dinâmica psíquica e integrar alguns conteúdos ainda inconscientes.



Anita Rink

sábado, 4 de julho de 2009

Arteterapia Clínica: Enfêrmidade e Experiência Corporal



Há uma tendência em nossa cultura a um excesso de racionalização sobre as doenças. Segundo Arnold Mindell, Psicoterapeuta, Analista e professor do Instituto Jung, a doença física é um conceito do ego. Para Carl Gustav Jung, médico e fundador da Psicologia Analítica, o “ego” seria um aglomerado de “elementos” de conteúdo afetivo. Sua formação inicial se dá através das percepções do corpo e da existência e posteriormente dos registros de nossa memória, atravessada pelas experiências na coletividade em que o sujeito está inserido. Nossa cultura se baseia prioritariamente na razão, a mente racional, segundo Mindell nos torna "possuídos pelo fluxo de imagens mentais”, unilateralmente construídas. Para mudar nossa visão sobre a doença é necessário desenvolver modos mais amplos de lidarmos com as enfermidades e seus diversos aspectos. O ser humano é composto de muitas áreas: emocionais, intuitivas, sensoriais e biológicas. A doença física, vista pelo prisma da racionalidade, se limita aos seus sintomas, como se esta não fizesse parte de uma dinâmica psíquica, de um conjunto mais amplo.


A doença pode ser mais do que seu sintoma, ela pode ser uma ponte que ativa processos vitais da psique. Para Mindell uma “enfermidade” é uma experiência corporal, que olhada pela vertente da Psicologia Analítica ou Psicologia Junguiana, conecta simultaneamente inúmeras instâncias: material, emocional, e da imaginação. Estas instâncias fazem parte da dinâmica psíquica do ser humano, o fluxo entre os aspectos conscientes e inconscientes da psique coletiva e individual. A experiência corporal do ser humano enfermo precisaria ser transformada em imagem e imaginação mítica, para que ele consiga evitar a tendência racional preponderante na nossa sociedade atual. Para Mindell, a maioria das pessoas não percebe o equivoco das racionalizações sobre a doença. Este engano aparece na mente do sujeito como "vozes" socialmente construídas. Existe uma experiência biológica muito singular relacionada a vivencia de cada pessoa com "sua" enfermidade. A palavra sua está entre aspas, pois não existe o sujeito fora da coletividade e vice versa., porém pode existir um esforço individual pela transformação pessoal, cada pessoa pode seguir um fluxo ético singular . Com o tempo este ato individual pode refletir e contribuir para a coletividade.


Para Mindell a enfermidade pode ser compreendida, em termos psíquicos, como uma espécie de “pressão para acordar áreas da psique ainda dormentes”. Segundo este autor, esta percepção da doença como uma pressão da psique é uma forma de ver os sintomas físicos como tesouros em potenciais. Mindell considera que a psique necessita de uma variedade de experiências que possam ajudar a ampliar suas possibilidades.




A Psicologia Analítica contribui de inúmeras maneiras para que o ser humano possa lidar melhor com seus sintomas. Para Mindell, se estudamos e amplificamos pacientemente os sinais corporais, encontraremos um “guru” interno do corpo. O processo terapêutico na Arteterapia clínica utiliza diversos materiais para possibilitar ao sujeito a expressão plástica dos seus conteúdos internos psíquicos. As amplificações dos processos corporais também podem ser feitas sem o uso de materiais, usando processos imaginativos, pois no processo analítico as singularidades de cada pessoa em terapia são levadas em consideração.



Anita Rink

sábado, 27 de junho de 2009

Arteterapia e Clínica Transdisciplinar: mãos que criam singularidades




A Clínica Transdisciplinar é um processo terapêutico com uma estrutura vital que funciona como uma célula, com a potência de se recriar a cada instante. A psique humana, como as células, necessita de um meio ambiente que lhe forneça elementos para recompor, restaurar e recriar a si mesma. O setting terapêutico (o local onde se dá o atendimento) é uma parte importante neste processo. A estrutura e o comportamento da célula podem ser comparados com o funcionamento da psique, pois necessitam de locais simbólicos e físicos que possam funcionar como meio externo que alimente e reestruture continuamente a célula ou a psique. O meio externo funciona como um espelho para a psique, e reflete o eu do sujeito, ou produz tensão. Necessitamos de algo que “force” a consciência a um alargamento, pois não são as racionalizações e os ditos “conhecimentos e técnicas” que alargam a psique, são as experiências e os modos que cada pessoa desenvolve de se alimentar desta experiência. Enquanto uma célula se apropria de elementos externos a ela para sobreviver, o ser humano muitas vezes rejeita aquilo que considera desconhecido no seu meio ambiente. A célula tem mecanismos biológicos próprios para achar o que vai ser nutritivo a ela, o homem sendo um ser filho da cultura pode ser estimulado culturalmente a se desconectar de sua capacidade biológica e sensorial estar incluida no processo de fazer escolhas. Patrícia Berry, em Fathers and Mothers (de Erich Newmann, 1977) escreve sobre um temor que há em “encarnarmos” a nós mesmos, em tornar algo em nós substância e em dar forma ao potencial na psique.

A Arteterapia por ativar a experimentação corporal pode ser uma estratégia para que o sujeito possa se reconectar com outras partes de si, partes da sensorialidade, por exemplo, que ampliam nossa capacidade de sentir e pensar considerando diferentes aspectos de si. Instrumentos como o pincel, o lápis se tornam extensões do corpo e estes podem participar do pensar, assim como o resultado da expressão pode surpreeder nos de modos múltiplos, estes aspectos citados participam no novo modo de pensar-sentir-intuir-experimentar e fazer as próprias escolhas ou escolhas mais próprias da nossa singularidade em continua construção.

Em meu trabalho desenvolvo muitos elementos da Arteterapia juntamente com as questões de uma Clínica Transdisciplinar. O objetivo é ativar as mãos do individuo simbolicamente e metafóricamente dentro de atravessamentos múltiplos oferecidos pelo meio cultural e subjetivo em que a pessoa vive. Para que os movimentos psíquicos possam adquirir forma e ganhar corpo necessitam de um contato genuíno com as vivências que estimulam a corporalidade do individuo. As técnicas desenvolvidas na Arteterapia podem ser utilizadas como um tipo de canal que possibilita expressar elementos psíquicos, afetivos e desconhecidos a ele mesmo. A Clínica Transdisciplinar Arteterapeutica pode utilizar materiais concretos, como água, guache, caixa de areia em seus aspectos reais e metafóricos, sem racionalizações. Produzimos na nossa clínica uma matriz sustentadora de substratos básicos para o individuo. Pois estes se encontram inseridos em uma família, participa de uma cultura que também participam na produção de características individuais. Usamos mãos reais e simbólicas, assim como ouvidos reais e simbólicos ao fazermos e criarmos nossa clínica psicoterápica.



Anita Rink

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Arteterapia: Terapia em Atos de Criação


O ato de criação não é um gesto voluntarista, requer aceitação do involuntário no voluntário. (Gilles Deuleze)

O movimento de criar é um transformar para conhecer. A criação traça linhas de fuga, movimento que fogem do que é estabelecido possibilitando a continua Re-Singularização do indivíduo, como uma montagem das cartografias produtoras de novos sentidos. Criar também pode ser visto como Experimentar, reexperimentar, experimentar o novo e com isso procurar alterar processos hegemônicos de subjetivação ditadas socialmente e culturalmente. Experimentar é poder ouvir este estrangeiro que se faz presente no ato de criação. A terapia (Arteterapia e Clínica Transdisciplinar) possibilita que haja uma polifonia, muitas vozes, muitas comunicações e diferentes conteúdos sendo comunicados. O corpo fala, o objeto fala, o sentimento fala, tudo fala, portanto escutar é habitar as multiplicidades, entrar em contato com diferenças para que finalmente possamos transformar estas diferentes percepções e comunicações em verbo.

Experienciar o "si mesmo", não como substância, mas como abertura de possibilidades. Para isso devem-se soltar familiaridades e certezas... Construir outras identidades e outras formas de lidar com o mundo e com os outros, apropriando-se destas outras possibilidades.


Anita Rink

domingo, 14 de junho de 2009

Arte-Imago-Terapia


A Arteterapia utiliza a imagem como o fio condutor do processo terapêutico. Segundo a Psicologia Analítica elaborada por Carl Gustav Jung, cada sujeito é composto de múltiplas imagens: psíquicas, oníricas, do discurso, metafóricas, corporais, culturais, mitológicas, etc. Toda esta pluralidade psíquica tende a se organizar conforme estruturas míticas. Os sonhos, por exemplo, nos revelam enredos com imagens. Na Arteterapia a imagem ganha prioridade, pois ela possibilita o surgimento de novos enredos psíquicos e de imaginação. A clínica terapêutica utiliza-se diversos materiais que favorecem uma ordenação materializada das imagens. A caixa de areia, os lápis coloridos e o teatro, dentre outras técnicas de expressão, possibilitam uma abertura para a multiplicidade psíquica. Esta multiplicidade é composta de inúmeras imagens que se encontram no inconsciente e na consciência, no individuo e na coletividade. A criação de histórias pode trazer à consciência uma série de novos fatores emocionais, que colaboram com o sujeito em terapia e suas relações no mundo. A imagem se torna uma instancia de abertura para a renovação psíquica e o fio condutor do processo terapêutico. Podemos chamar este tipo de abordagem de “Clínica Ético-Estético-Política”, a ética seria uma abertura para o que é diferente do ego, uma nova forma de se relacionar com imagens. A estética se refere a uma clínica em que a criação, a criatividade e a imaginação estão presentes. E a política está ligada a uma ação singular que valoriza a pluralidade e por isso se torna uma resistência positiva em relação aos modos reducionistas e lineares que socialmente tem se estabelecido. Uma “Clínica Ético-Estético-Política” nos remete ao ato de se relacionar com imagens de um modo mais livre, criativo e inseparável da experiência terapêutica.


Anita Rink